segunda-feira, 30 de julho de 2012

ZECA CAMARGO CONTA OS BASTIDORES DA ENTREVISTA COM MADONNA ( Parte 2)





Segunda parte do texto do Zeca Camargo sobre os bastidores de sua entrevista com Madonna. Nesse texto, o Zeca volta no tempo e conta como foi a primeira vez que viu Madonna ao vivo. É bem interessante mesmo, fazemos uma grande viagem ao final da década de 80 e ainda por cima, me fez ler sobre uma aparição ao vivo de Madonna que eu desconhec ia. Uma grata surpresa!

Madonna, Nova York, 1989

"  A primeira vez que vi Madonna se insinuando para outra mulher num palco não foi naquela festa antológica do VMA da MTV americana, em 2003, quando ela beijou Britney Spears na boca. Em 1989, eu era correspondente em Nova York do jornal “Folha de S.Paulo”, quando fui cobrir um evento beneficente para proteger nossa “floresta tropical” (lembra quando isso era um tema apaixonante?). Várias apresentações estavam sendo anunciadas para essa espécie de “maratona do bem” para uma causa justa. Os B-52’s, por exemplo, estavam mais que confirmados (e só isso já era motivo para eu me entusiasmar com a cobertura!), mas a presença de Madonna, apesar de muito comentada previamente, era apenas uma possibilidade. Com isso em mente, no dia 24 de maio daquele ano, lá fui eu para a Brooklyn Academy of Music (BAM) conferir o “happening” que ficou conhecido como “Don’t bungle the jungle”.
O lugar estava lotado – era “o” evento alternativo da temporada (numa cidade que ainda se orgulhava de ter um lado alternativo, e não escondê-lo em um pequeno clube subterrâneo, mas apresentá-lo num endereço de tanto prestígio quanto a BAM). Como o perdão do clichê, a eletricidade estava no ar – mesmo sem uma frenética troca de twitters (algo que, claro, ainda demoraria quase duas décadas para surgir) as pessoas estavam visivelmente excitadas com a hipótese de uma aparição-surpresa de Madonna. Por isso, quando ela finalmente entrou no palco, era possível sentir os balcões da BAM tremendo! Vestindo um jeans agarrado e um bustiê (muito antes de isso ser uniforme de bailes funk!), ela não chegou sozinha: a comediante Sandra Bernhard vinha de mãos dadas com ela num modelito praticamente idêntico.
Quem? Bem, acho que mesmo quem é da minha geração precisa de um refresco na memória para se lembrar de Sandra Bernhard. Entre o final dos anos 80 e o começo dos 90, ela era uma das comediantes mais famosas nos Estados Unidos. Pioneira nas transgressões em suas apresentações de humor e abertamente lésbica, ela era também uma das melhores amigas de Madonna na época. Por conta disso, uma das fofocas mais correntes naqueles dias era a de que as duas estariam tendo um caso. O rumor era muito forte – isso, só lembrando, quando a facilidade de espalhar uma notícia ainda não contava com uma ferramenta chamada twitter! – e vinha desde o ano anterior (uma participação das duas no “talk show” de David Letterman em 1988 já foi suficiente para levantar “suspeitas”). E – o melhor! – as duas pareciam se divertir com isso.
Tanto que naquela tarde no BAM, numa antológica interpretação do sucesso de Sonny & Cher, “I got you babe” (o vídeo aqui credita erroneamente o evento como beneficente para a causa da AIDS), no meio da música, Madonna, sem dar muitos detalhes, pede para a platéia: “Não acredite nesses rumores”. Ao que Sandra retruca prontamente: “Acreditem nesses rumores!”. E tudo, claro, num tom de muita diversão. Mas o que estava realmente acontecendo ali? Quando as duas saíram do palco, novamente de mãos dadas, as pessoas na plateia estavam ensandecidas. Era como se Madonna – ajudada por Sandra – tivesse (mais uma vez) hipnotizado todo mundo com seu carisma e, depois, brincava com a caretice os limites de aceitação de todo mundo. Os aplausos vieram em cascatas. Para mim – que então nem sonhava que um dia poderia entrevistá-la – foi um momento de total encantamento.
Pela primeira vez eu estava vendo de perto a mulher que, já há alguns anos, espalhava mensagens contra o preconceito e manifestos à liberdade – e pude constatar que ela não dizia aquilo só “da boca pra fora”, mas acreditava de fato naquilo e usava o poder de sua imagem (que já era estratosférico) para fazer com que essas ideias chegassem ao maior número de pessoas. Se eu já não fosse um fã, depois daquele mini show no BAM eu estaria totalmente convertido.



Retomando, o ano era 1989, a cidade era Nova York, e Madonna era a dona absoluta dela.
Mais de uma vez, sempre quando conto alguma história de passagem pela cidade, eu digo (de uma maneira ou de outra) que esse que morei lá foi muito importante para mim – por vários motivos. Era a primeira vez que eu morava fora do meu país por tanto tempo; havia um “quê” de independência que eu estava experimentando pela primeira vez; pela primeira vez também, mesmo já tendo viajado um bocado, eu me sentia um “cidadão do mundo”; eu tinha de me virar com muito pouco – não vamos entrar em detalhes do meu salário na época, mas é bom lembrar que Nova York sempre foi um convite irresistível ao consumo – mas ao mesmo tempo estava num lugar que permitia que você se divertisse muito sem gastar muito dinheiro; e apesar de trabalhar como um louco (acredite: o volume de coisas para fazer, especialmente numa era pré-internet, era enorme!) eu tinha tomado uma decisão: eu ia conquistar Manhattan!
Pretensioso? Deixe-me explicar melhor. “Conquistar” aquela cidade – e aqueles que já tiveram a oportunidade de morar lá sabem do que estou falando – não significa ter a ambição de tornar-se uma celebridade local, mas saber aproveitar aquele lugar ao máximo. O papel do tímido visitante que assumi nas primeiras semanas por lá logo foi dando lugar ao do curioso repórter – e possível morador permanente (eu já fazia planos…). E fui para as ruas. Cada vez mais próximo de uma distante prima minha (Isa), que já morava lá desde 1984, comecei a realmente descobrir a noite da cidade, dois meses depois de ter desembarcado por lá, em janeiro. Enfrentando madrugadas ainda geladas, eu e Isa ficávamos horas em filas de clubes e festas cuja possibilidade de entrar era quase zero – o que não tirava em nada a nossa diversão (mesmo quando a gente voltava para casa sem conferir lugar algum, já estava muito bom).

Entre tantas possibilidades noturnas, nenhuma era mais cobiçada do que uma noite no Copacabana – um endereço clássico de Nova York. Não me lembro direito dos detalhes, mas era um evento específico (tipo, toda última terça-feira no mês), e a multidão que ficava na frente do clube era já em si digna de nota. Organizada pela “dona da noite” de então, Susanne Bartsch, esse era o lugar para se estar se você morasse em Nova York em 89. De todo o período em que eu fiquei lá, devo ter conseguido entrar em três ou quatro dessas festas – no máximo. Mas já posso dizer que esse sucesso relativo valeu por todos os “fracassos”. Sandra Bernhard era figura marcada no “Copa” – e de vez em quando a própria Madonna dava o ar da graça.
Ficar só no Copacabana porém é oferecer um retrato apenas parcial da festa que era a cidade. Bares e clubes numa região que ainda era considerada perigosa – a “Alphabet City”, ou ainda, o “Lower East Side” quando as avenidas começavam a ser chamadas não de números, mas de letras – eram um circuito ousado e, talvez por isso mesmo, sensacional. Os temores de cruzar o Thompkins Square, infestado de traficantes e atapetado por seringas, eram praticamente esquecidos quando você achava um lugar (o Pyramid me vem à cabeça) onde o DJ tocava exatamente o que você queria ouvir. E tinha também o Mars – que ficava em outra área que não era muito segura em Manhattan: o Meat Packing District (que hoje é quase um shopping center aberto, de tão bem comportado). O Mars era um clube de cinco andares – e em cada um deles você tinha um ambiente diferente. Passar por lá e depois ir comer no Florent (um dos poucos restaurantes acessíveis e bons que ficavam abertos 24 horas na região) era o que eu podia chamar de uma noite perfeita. E entre tantas noites dessas, a que eu nunca vou esquecer foi a que Madonna apareceu de surpresa para um “pocket show” no palco do primeiro andar da Mars!



Quando isso aconteceu, Nova York dançava praticamente ao som de uma só música: “Like a prayer”. Semanas antes dessa noite no Mars, lembro-me de ter ficado em casa só para ver a estreia desse vídeo na MTV americana (sei que é difícil imaginar que isso um dia existiu, mas as pessoas antigamente ficavam esperando para ver a estreia de um clipe…). Mais uma vez Madonna testava os limites da sua popularidade, cutucando de perto um assunto “delicado”: a igreja católica. Cruzes queimando, beijos no santo, correntes e grades – tudo ajudava a criar um clássico do pop, que talvez até tivesse sido esquecido se a música não fosse tão boa. “Like a prayer” não demorou nada entrar no inconsciente coletivo – a tal ponto que, quando eu ouvi ali na pista do Mars, naquela noite, os primeiros versos da canção (“Life is a mystery / everyone must stand alone”) a última coisa que eu podia achar era que a própria Madonna é quem estava no palco cantando. Mas quando me virei naquela direção, tive a certeza: era ela sim – poderosa, divertida, ousada, “desencanada”, divina. Mesmo 23 anos depois daquela noite, eu não consigo achar as palavras certas para descrever exatamente o que aconteceu comigo – aliás, com todo mundo que estava lá! O magnetismo de Madonna, a força da própria música, a animação da noite, a pulsação da cidade – tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. E meus pés simplesmente não tocavam o chão.
Recentemente, passando por Nova York a trabalho, tive um bem-vindo “flashback” dessa época. Minha prima Isa foi convidada a expor suas fotos da noite nova-iorquina numa galeria bem legal em Chelsea, a Milk. (As fotos que ilustram o post ORIGINAL no blog do Zeca são dessa exposição – e aqui está uma foto da própria Isa na noite de abertura). Como ela mesma me disse, eu estava em cada uma dessas fotos – não exatamente diante das câmeras, mas ao lado dela, da fotógrafa, conferindo tudo (e muitas vezes até a protegendo dos “perigos da noite”!) – aquela história ali era um pouco a minha história. E eu fiquei bem emocionado de ver o trabalho dela numa galeria tão bacana. Além de ter feito parte daquilo tudo, a lembrança que me dava mais prazer não era a do frisson de conviver com aquela fauna noturna, nem esbarrar nas celebridades que pipocavam nessas festas – nem mesmo ter chegado tão perto de Madonna. Não. O que mais gosto de lembrar é como essas experiências todas abriram minha cabeça – e em especial, como foi importante ter ouvido Madonna falar naquela noite no Mars.
Além de cantar “Like a prayer”, ela trocou algumas palavras com a sortuda audiência daquela noite. Impossível lembrar literalmente tudo que ela disse, mas a mensagem geral era a de que as pessoas deveriam ser respeitadas sempre. Que o mundo está sempre preparado para dizer não para você – e que ela mesma tinha experimentado isso inúmeras vezes. Mas que o importante mesmo era que você aprendesse a dizer sim para você mesmo. Que nada era mais poderoso que isso. E que qualquer pessoa que tentasse te diminuir na sua trajetória merecia uma resposta simples: “I don’t give a shit”!



Preciso mesmo traduzir?
Acho que não. Vamos ficar hoje por aqui. Já estou mais uma vez me estendendo demais– e o melhor que tenho a fazer é usar essa frase como um gancho para o texto de segunda que vem, na parte final dessa trilogia. Pois foi justamente uma frase idêntica a essa que eu ouvi semana passada no palco montado no Hyde Park, na escala londrina da turnê “MDNA”. E é exatamente isso, a incrível epifania que foi ver esse show, que eu quero dividir com você no próximo post."


E ainda essa semana, a terceira parte deste longo e delicioso post!
Aguardem!

Fonte: Blog do Zeca Camargo/ G1

2 comentários:

  1. Deve ser amazing kk. Tipo, esse é o lado bom de morar em uma grande cidade: algum artista bom corre o risco de aparecer, de surpresa, em algum lugar. Aqui o máximo que acontece é alguma dupla sertaneja qualquer ou uma bandinha de pagode... E esses definitivamente não são meus estilos kk

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